O tiro que atingiu a cabeça do agente municipal de trânsito Eduardo Arruda (SMT) não é apenas um irreparável drama para seus familiares e amigos. Muito além disso, o covarde ato atingiu também o coração da cidade, exatamente na data de seu aniversário de 80 anos. O jovem servidor da SMT encontrava-se em efetiva operação, cumpria escala noturna em obediência à sua função de garantir direitos, preservar e salvar vidas, enfim, exercia atribuições dispostas e regulamentadas por leis vigentes. Portanto, no momento que recepcionou a bala na cabeça, o agente de trânsito simbolizava o interesse coletivo sob a égide do poder público – representava, pois, a cidade para a qual emprestava com responsabilidade o concurso de sua expertise.
Não obstante a hediondez deste ato criminoso e suas decorrências se assemelharem a tantas outras violências vivenciadas na rotina da cidade, a agressão aqui discutida reveste-se de peculiaridades distintas, pois além de inédita é recorrente em escalas menores igualmente deploráveis. Rotineiramente esses profissionais do trânsito são vítimas de cusparadas, xingamentos, preconceitos, assédios, agressões físicas, enfim, ofensas de vários calibres e até provenientes de estranhas reações catárticas. Óbvio, isso interfere negativamente na sua autoestima e compromete a eficiência do serviço!
Soma-se a essas externalidades negativas acumuladas a natureza do trabalho do agente de trânsito, sempre dependente e pautada na qualidade da política de circulação praticada, tradicionalmente em posição reativa diante do acúmulo de demandas. Cada vez mais estressante em suas dinâmicas, a frenética rotina do trânsito continua a sintetizar fortemente a relação de poder que predomina e transparece na arrogante conduta de motoristas embrutecidos, quando não enlouquecidos. Isso exige do agente de trânsito alto grau de tolerância e parcimônia constantes que somente a psicologia é capaz de justificar o quanto exerce de pressão em sua rotina de trabalho.
Nesse contexto, não se pode tratar esse crime com a mesma devastadora banalidade com que temos visto ser tratados os demais em nossa jovem cidade. Aqui não cabe o argumento de que se trata de crime comum vinculado a esta ou aquela modalidade prevista no direito penal. O ocorrido não é crime de tráfico, contrabando, roubo de carro ou mesmo de trânsito. A bala que está na cabeça do agente de trânsito e suas circunstâncias ainda desconhecidas traduzem um crime absolutamente insólito, diferente, porque abate o mais precioso bem nas relações de uma comunidade: sua cidade.
Antes de chegar ao fim do seu percurso, esta bala ricocheteou nas esquinas de nossas ruas e avenidas alagadas; nos viadutos e trincheiras “sustentáveis”; nas fachadas de centenas de prédios erguidos da noite para o dia; nas ciclovias e corredores de ônibus inacabados; nas calçadas quebradas e entupidas de coisas; no túnel inaugurado na mesma data de seu disparo. Esta bala é incomum porque antes de atingir um cidadão em serviço, percorreu os corredores da Câmara de Vereadores e as paredes do Paço Municipal, exigindo por isso, mais da atenção de nossos legisladores e gestores no apoiamento da sua urgente elucidação e nas atitudes de prevenção para que não mais aconteça.
Antenor Pinheiro é jornalista, ex-superintendente municipal de trânsito e transportes de Goiânia/SMT (2001-2004)
perito@antenorpinheiro.com
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